Preservação ambiental e justiça social global – quando?


Olá pessoal...

As discussões sobre aquecimento global, preservação ambiental e outros assuntos deste gênero estão em alta. Não podemos negar que, nesses últimos anos, evoluímos nas discussões. Mas, ainda é preciso deixar de lado interesses particulares a fim de se chegar a um consenso.
O novo código florestal brasileiro é um expressivo exemplo disso. Os interesses particulares, ligados a mais valia de grandes proprietários (que em muitos casos são também políticos) foi o fator determinante das mudanças. A preservação ambiental foi, novamente, deixada em segundo plano. E isso não acontece apenas no Brasil. As dificuldades encontradas pelas políticas de preservação ambiental em âmbito internacional, também esbarram neste interesse.
E é justamente este assunto que será discutido no artigo publicado pela revista eletrônica “Carta Capital” e escrito por Pedro Estevam Serrano. Nele o autor refletirá sobre os interesses que existem por de trás das políticas ambientalistas e sobre a existência (ou não) da possibilidade de conciliação entre desenvolvimento e preservação (o que chamamos de sustentabilidade) – tudo isso atrelado a divisão de renda e justiça social.
Observemos artigo a seguir...


PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E JUSTIÇA SOCIAL GLOBAL

Desde que o conceito de preservação ambiental surgiu pela primeira vez, o entendimento sobre o que é sustentabilidade passou por significativas transformações. Inegável, por conseguinte, que a discussão atual é mais madura e abrangente que a travada no despontar dessas preocupações. Ressentimo-nos, contudo, de avançar em vertentes indispensáveis ao desenvolvimento do debate ambiental: as dimensões sociais da proteção ao meio em que vivemos.
Por mais absurdo que pareça, o estágio em que nos encontramos permite vislumbrar tais dimensões como degraus inerentes ao tratamento comprometido com o problema, mas experimentamos certa hesitação quando se trata de percorrer esse mesmo trajeto. E a razão para isso é historicamente conhecida: incluir o enfoque social implica em atentar contra interesses há muito consolidados, que servem à manutenção de um status quo ofensivo à própria noção de humanidade cidadã que começamos a construir.
A despeito do senso comum que vem sendo difundido, a comunidade científica não é coesa em torno das causas das mudanças climáticas que nos assolam. Existe um grupo que considera os movimentos de aquecimento da atmosfera como decorrentes da própria trajetória da Terra ao longo das eras, algo vinculado aos ciclos geológicos que intercalam, de tempos em tempos, resfriamento e calor. Outro grupo, por sua vez, aponta o ser humano como o catalisador dessas mudanças, o verdadeiro responsável pelo início do atual ciclo de aquecimento. No entanto, para ambos os grupos, não restam dúvidas quanto ao papel de protagonista do homo sapiens na aceleração das transformações, por sua influência no meio ambiente, cada vez maior e mais impactante, seja como agente preponderante ou auxiliar das mutações.
É sobre essa convicção científica que se assenta a necessidade de introduzir as dimensões jurídicas e sociais do debate ambiental, a partir da compreensão de que o conceito jurídico de cidadania global pressupõe que sejam equacionados os desequilíbrios sociais existentes atualmente. Em outras palavras, mais assertivas: não há como se falar em equilíbrio ambiental no planeta sem antes debatermos os meios de superar as desigualdades sociais existentes na geopolítica global.
A ONU (Organização das Nações Unidas), um dos organismos internacionais que podem atuar decisivamente para o equilíbrio sociopolítico e ambiental, produziu em 2009 um estudo sobre desastres climáticos no mundo ocorridos entre 1975 e 2007 (“Risk and Poverty in a Changing Climate”, ou “Risco e Pobreza em Mudanças Climáticas”). A esperada conclusão foi que as populações dos países pobres e de governos instáveis ou com instituições menos sólidas sofrem mais danos —e mais profundos e permanentes— resultantes de desastres climáticos do que as populações de países desenvolvidos. A combinação de instituições frágeis, desigualdades sociais e baixo nível de desenvolvimento amplia as consequências das calamidades.
Ora, se a ação do homem é relevante para acelerar os processos de aquecimento global e os desequilíbrios ambientais e se as nações menos desenvolvidas sofrem acentuadamente mais com esse quadro, é preciso atuar em duas frentes de maneira concomitante: trabalhar no desenvolvimento tecnológico e social para mitigar os efeitos da ação do homem sobre o meio ambiente; e, de forma especial e mais urgente, alterar os padrões de consumo no mundo.
A primeira frente é abordada com frequência e muita propriedade pela maioria esmagadora dos ambientalistas, em propostas de ação que vão desde identificar novas fontes de geração de energia limpa, formas de diminuição do ritmo de crescimento populacional e até otimização dos detritos para obter o mínimo possível de lixo ao final da cadeia produtiva. A segunda frente, no entanto, é menos levantada. Há um problema de justiça distributiva no mundo, e a verdade é que não temos como consumir todos no padrão das nações desenvolvidas, porque manter esse padrão e ritmo é perpetuar as implicações sociais nocivas, detectadas pelo estudo da ONU, nos países em desenvolvimento e não desenvolvidos. Em essência, se o ideal de desenvolvimento igualitário entre primeiro e terceiro mundo for realizado, se todos consumirmos no padrão médio de consumo da população primeiro-mundista, os recursos naturais do globo deixarão de existir.
Não podemos mais travar o debate ecológico sem absorver o inescapável prisma social. Da mesma forma, pensar as políticas ambientais doravante é ter de modificar os níveis de consumo do mundo globalizado. Buscar mecanismos de frear a degradação ambiental sem avançar sobre como iremos redistribuir a renda e o consumo mundiais é refletir sobre parte do problema, produzindo uma ideia de sustentabilidade injusta e não cidadã. Porque não podemos mais, como humanidade cidadã, permitir que o hiperconsumo nos países desenvolvidos se dê à custa da miséria dos subdesenvolvidos.
O jornal britânico Daily Mail publicou, em 2010, pesquisa que evidencia essa desproporção de consumo. Em média, as mulheres britânicas têm 12 peças de roupa que não são usadas há anos. Juntar todos os guarda-roupas femininos do Reino Unido resulta em R$ 14,3 bilhões (5,4 bilhões de libras) inutilizados. O exemplo do guarda-roupa feminino serve também para os homens, pois o nível do consumo mundial hoje em dia não é veleidade exclusiva a um dos gêneros, é difundido a quaisquer que sejam os sexos, preferências sexuais, profissões, faixa etária etc. Muito do que consumimos é composto de produtos que não vamos usar. E isso se dá à custa da fome nos rincões mais pobres do mundo —na Ásia, na África, na América Latina, no Brasil, ao menos quando pensamos a distribuição dos patamares de consumo na geopolítica global face a um ecossistema de recursos naturais limitados.
Se não imbuirmos o debate ambiental com a perspectiva de redistribuição de renda e consumo no mundo, se não buscarmos equilíbrio do ser humano com o uso dos recursos ambientais e também com os demais seres humanos, estaremos buscando um modelo de preservação ambiental que, mais uma vez na história, privilegiará os de sempre. Adotando políticas de pura e simples interrupção nos níveis de crescimento de consumo, sem que junto sejam produzidas formas de mitigação nas desigualdades deste mesmo consumo, estaremos condenando a maior parte da humanidade a pagar com a fome pela manutenção dos recursos naturais necessários ao sustento do consumo irracional dos povos privilegiados. Destarte, estaremos distante do que se pode entender por cidadania global.
Debater como controlar o aquecimento global e outras questões que impliquem na preservação da vida no planeta é, portanto, rediscutir as relações sociais e de poder no plano internacional. Devemos estancar os padrões de consumo global, redistribuindo pelo globo seus patamares, através de políticas compensatórias do primeiro mundo ao terceiro, de molde a equalizar o consumo global em patamares mais igualitários e menos agressivos ao meio ambiente. Sustentabilidade real não há sem justiça social global.



Por: Pedro Estevam Serrano, na Carta Capital.
Em: 29 de Abril de 2011.
Acesso em 29 de Abril, 2011.


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