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As decisões do VI Congresso do Partido Comunista Cubano: um retrocesso em direção ao capitalismo?


Olá pessoal...

Há algum tempo postei um artigo que refletia sobre as alterações estruturais e políticas em Cuba (veja "Cuba aprova plano de reformas na economia”).

Com a aprovação deste novo plano de medidas, a ilha sofrerá mudanças significativas, tais como: na forma de se organizar a produção, a criação de cooperativas, a maior autonomia nas empresas estatais e mudanças no setor imobiliário. Todas essas expressivas modificações visam fortalecer a produção e a economia a fim de se manter a raiz do sistema socialista: o conceito de que o socialismo significa igualdade de direitos e oportunidades para todos os cidadãos e, não igualitarismo, e se ratifica o princípio de que, na sociedade socialista cubana, ninguém ficará desamparado. Todos esses aspectos foram destacados nessa nova reforma e votada pelos delegados que representam a população local. As reformas também objetivam renovar/dar valor a opiniões das novas gerações em Cuba. Objetiva-se, em longo prazo, substituir os atuais líderes por uma geração de aproximadamente 50 anos de idade. O exemplo mais relevante nesse sentido é a futura nomeação de Raúl Castro, como representante maior da ilha, no lugar de Fidel Castro.

Todas as alterações visam manter o regime socialista, o desenvolvimento na saúde, educação, segurança, esportivo e, sobre tudo, a igualdade social vigente nesse país que não é perfeita, mas é bem melhor que a do regime capitalista.

A mídia logo se manifestou a essas mudanças e coloca em jogo a possível mudança do regime político/econômico/social socialista de Cuba para um regime capitalista. Será mesmo que é isso que está em jogo? Assim, a questão que se faz pertinente é: as decisões do VI Congresso do Partido Comunista Cubano: um retrocesso em direção ao capitalismo? O artigo abaixo nos ajuda a refletir sobre esta questão!

 

 

Passos e Descompassos da Revolução Cubana

 

Com um breve discurso, Raúl Castro encerrou os trabalhos do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado entre os dias 16 e 19 de abril último, no Palácio das Convenções, em Havana. Esse Congresso foi cercado de expectativas, depois do anúncio em novembro do “Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social”. Os delegados aprovaram as novas diretrizes, que propõem uma “atualização do modelo econômico” cubano. Nos debates que antecederam o evento, a ideia de um passo atrás para avançar logo à frente foi usada à exaustão para justificar as medidas que ampliam a economia de mercado em Cuba. Resta saber se o recuo não representa um giro em direção à restauração do capitalismo na ilha caribenha.

O jornal The Economist, em uma matéria intitulada “O início de um logo e lento adeus” (20/04), arriscou profetizar o destino final ao qual as mudanças vão levar, embora lamente a lentidão da marcha. Ao reclamar que o anunciado corte de 500 mil postos de trabalho no setor estatal não tem um cronograma, que o crédito para a abertura de pequenos negócios não está disponível e que grande parte das licenças emitidas para a abertura de pequenas empresas apenas legalizam negócios já existentes, dá a medida da ansiedade dos capitalistas quanto ao futuro da revolução. Mas para nós, socialistas, as lições são outras.

A situação em que se encontra Cuba é só mais um exemplo de que é impossível construir “o socialismo em um só país”. Como acontece com todos os países, a economia cubana é extremamente dependente do mercado mundial. Cuba exporta matérias primas (níquel, com preços em queda no ano passado), açúcar e serviços profissionais. A indústria turística e as remessas de cubanos vivendo no exterior também são importantes fontes de renda, mas ambas foram atingidas pela crise econômica mundial. Por outro lado, a ilha precisa importar petróleo e 80% dos alimentos que consome (os dois com preços em alta). O resultado é um déficit crescente, agravado pelo bloqueio econômico promovido pelos EUA e a dificuldade em obter empréstimos de instituições financeiras.

A solução seria incrementar a eficiência e a produtividade do trabalho, para garantir a oferta de produtos e serviços para a população cubana. A ideia é aplicar o princípio: “de cada um conforme suas capacidades, a cada um conforme seu trabalho” - adequado a uma economia de transição para o socialismo. O problema é contar com o chicote da economia de mercado para estimular esse “aumento” da produtividade. Assim, entre as diretrizes, além da ampliação e flexibilização do trabalho no setor “não-estatal”, está a permissão para novos investimentos estrangeiros no turismo, novos níveis salariais mais “compatíveis” com a posição hierárquica e importância do trabalho realizado, e uma nova política de assistência social, que substitui o atendimento universal para “concentrar” os gastos para aqueles que realmente precisam. O que soa estranho nos documentos do Congresso é a afirmação de que “é possível harmonizar a economia planificada com a economia de mercado”.

Como afirmou Jorge Martín, no artigo “A dónde va Cuba?” (revista América Socialista, nº 03 em espanhol), a economia capitalista e a socialista são duas correntes contraditórias que não podem conviver para sempre, lado a lado. Cedo ou tarde vão entrar em rota de colisão e uma delas deve prevalecer. É certo que em si mesma, a abertura da economia a pequenos negócios não é uma medida negativa. Uma economia socialista não precisa nacionalizar todos os bares e salões de beleza. Fazer isso leva a criação de camadas burocráticas para administrar essas minúsculas unidades produtivas. Um pequeno setor privado não significa um risco para o socialismo, desde que as principais bases da economia permaneçam nas mãos do Estado - e o Estado nas mãos da classe trabalhadora.

No atual contexto histórico, qual poderia ser o resultado dessa política em Cuba? A debilidade da economia cubana, a proximidade da ilha com a mais poderosa (e hostil) economia capitalista do mundo, as péssimas condições das empresas estatais administradas pela burocracia e, principalmente, a falta de uma verdadeira democracia operária não asseguram um percurso tranquilo para a revolução. Sob o peso da penetração do mercado mundial em Cuba, as diretrizes adotadas tendem a incrementar a desigualdade e desenvolver a acumulação de capital. O que pode minar seriamente a economia planificada e iniciar um processo muito forte em direção à restauração do capitalismo. Principalmente se a economia de mercado contar com o apoio de burocratas favoráveis a uma “abertura” que permita a eles se apropriarem dos meios de produção, como aconteceu com outras economias ex-socialistas.

A desconfiança existe. Não é a toa que os temas mais discutidos pela população nos debates que antecederam o Congresso dizem respeito às conquistas sociais e sua manutenção nos novos tempos. Nada provocou tanto o debate quanto a eliminação de itens da cesta básica com preços subsidiados, garantida a todo cidadão cubano. Para Raul Castro, a cesta básica hoje tem um “nocivo caráter igualitarista”, e transformou-se em “uma carga insuportável para a economia e um desestímulo ao trabalho”. Mas a população não parece tão convencida por esses argumentos.

As diretrizes aprovadas podem até aliviar temporariamente a situação de Cuba. Mas a única saída para a continuidade do socialismo é a revolução internacional e a implantação de uma autêntica democracia operária. A luta de classes na América Latina tem demonstrado um desenvolvimento surpreendente, que serve de estímulo e apoio aos socialistas cubanos. Mas de fato, os trabalhadores cubanos não sentem que controlam as indústrias em que trabalham. A falta de uma democracia operária mina o entusiasmo do povo, em especial, das novas gerações. Medidas formais não estimulam uma maior participação popular. Limitar o acesso aos principais cargos políticos a dois mandatos de 5 anos para “renovar” a elite dirigente não garante o avanço permanente da revolução; a autonomia dos administradores e dos gestores públicos em relação ao partido pode não significar menos burocracia, mas o domínio de uma casta de gerentes por sobre as propriedades do Estado, sem que prestem contas a ninguém. Em uma situação de queda do poder aquisitivo, onde todos percebem a corrupção nas esferas do Estado, essas coisas podem se converter em um perigo para a revolução. Uma democracia operária, tal como assinalou Lênin, deve controlar a burocracia, com a eleição dos funcionários a cargos revogáveis a qualquer momento; e com o estabelecimento de um teto para as diferenças salariais, que deveriam ser reduzidas com o desenvolvimento da economia.

Um novo capítulo dessa história está marcado para o dia 28 de janeiro de 2012, com a realização de uma Conferência, que vai tratar de uma reforma política. Até lá, prestamos nossas homenagens às energias revolucionárias do povo cubano, que sustenta uma sociedade socialista há 50 anos, debaixo do nariz do imperialismo estadunidense.

 

CUBA: UM MARCO

Nem o bloqueio econômico imposto pelos EUA e nem a atual crise capitalista mundial impediram Cuba de bater um novo recorde de redução da mortalidade infantil. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o índice de mortalidade na ilha caribenha caiu para 4,5 a cada mil nascidos no ano passado. A média na América Latina é de 19 a cada mil. Mesmo a maior potência mundial, os Estados Unidos, é incapaz de oferecer condições de assistência e saúde aos recém-nascidos com a mesma eficiência que a ilha socialista. O índice estadunidense é de 6,3 a cada mil nascidos.

A gratuidade, a qualidade e a abrangência do sistema de saúde cubano são os fatores que sustentam o nível de atendimento à primeira infância. Uma rede composta por médicos da família, centros policlínicos nos bairros, maternidades e hospitais especializados para os casos mais graves garante o acompanhamento das mulheres cubanas em todo o período de gestação, além dos cuidados neonatais.

Mas como uma pequena ilha caribenha, com recursos econômicos tão limitados, pode oferecer um atendimento a saúde tão eficiente? É uma questão de prioridade. Só uma economia socialista, planificada, pode permitir que os recursos necessários sejam investidos no que é considerado essencial: na proteção e na valorização da vida. Com a propriedade e o controle social dos meios de produção, a economia pode ser posta a serviço da sociedade, e não o contrário. A experiência cubana, com todos os seus problemas políticos e econômicos, tem sido prova disso nos últimos 50 anos.

Por essas e por outras, a defesa das conquistas da revolução cubana não é indiferente a um militante socialista. A experiência da ilha caribenha é um marco que, feita toda a crítica necessária, aponta alguns caminhos para a construção de um futuro melhor para toda a humanidade.



Por: Fabiano Stoiev, na ‘Esquerda Marxista’.
Em: 24 de Maio de 2011.
Acesso em 17 de Junho, 2011.


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