Olá pessoal...
Um dia (05/12/2011) antes da votação do novo Código Florestal brasileiro no Senado, o governo anunciou que o desmatamento na Amazônia caiu 11% entre agosto de 2010 e julho de 2011, na comparação com os 12 meses anteriores. E atingiu 6,2 mil Km², a menor taxa anual desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) começou a fazer este monitoramento, a partir de dados de satélite, em 1988.
Em 2004, a destruição era 4,5 cinco vezes maior (27 mil Km²). Mesmo com a notícia dessa diminuição da área desmatada, cresceu a devastação em dois dos três estados que mais derrubam árvores amazônicas: 20% no Mato Grosso, segundo colocado, e 100% em Rondônia, o terceiro colocado. No campeão de destruição, o Pará, caiu 15%. Nos outros seis estados amazônicos – Amazonas, Maranhão, Piauí, Roraima, Tocantins e Amapá – estes números também recuaram.
O atual Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/1965) estabelece limites de uso da terra, com respeito às florestas e aos ecossistemas, garantindo a preservação das fontes de água, a proteção do solo e a manutenção da biodiversidade. O substitutivo proposto atualmente, por sua vez, é focado nos interesses dos ruralistas e na expansão do agronegócio, em detrimento da agricultura familiar.
Assim, a questão ambiental no Brasil e no mundo cai novamente nas questões econômicas, sobretudo agora com essa crise européia. Os interesses das classes dominantes são distintos das dominadas – buscam o lucro a todo o momento. Esse lucro, como tudo neste sistema capitalista, tem um preço. Esse preço, muitas das vezes, é pago pelo meio ambiente que sofre degradação sob justificativa de se avançar e de se buscar o progresso.
Mas, qual é a relação entre o meio ambiente e a economia? A crise econômica atual e as medidas para amenizá-la podem interferir na preservação ambiental? Qual seria a saída? É possível manter o progresso econômico e a preservação ambiental? O texto de Felipe Amim Filomeno (Economista e sociólogo, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University - EUA) na ‘Carta Capital’ pode nos ajudar a entender e construir essas relações.
Vejamos...
PARA ALÉM DO CRESCIMENTO
A crise mundial provocou um debate público com duas grandes vertentes. De um lado, economistas ortodoxos continuam a prescrever medidas de austeridade como solução para os problemas econômicos na Europa e nos EUA. De outro, economistas heterodoxos defendem a ampliação dos gastos públicos, a re-estruturação da dívida dos Estados, e medidas de distribuição de renda (como a tributação progressiva) para a retomada do crescimento.
Socialmente, esta divergência de perspectivas é um reflexo de conflitos entre classes sociais e frações do capital, em torno de como será dividido o ônus da crise, ou, em outras palavras, sobre quem pagará a conta. Enquanto a receita ortodoxa joga o encargo da crise desproporcionalmente em cima dos trabalhadores e em benefício do capital financeiro, a receita heterodoxa protege as camadas mais pobres e força as elites financeiras a pagarem parte da conta. Em vista disso, a segunda solução parece melhor, mas, na realidade, ela também sofre de uma séria limitação: apenas transfere para a próxima geração a responsabilidade por outro problema: o capitalismo.
A saída heterodoxa, de inspiração keynesiana, subscreve o princípio da acumulação incessante de capital, que define o sistema capitalista mundial desde suas origens nas cidades-Estado italianas por volta do século XV. Para essa corrente, a solução é gastar mais para produzir e empregar mais. Isso em paralelo a políticas sociais que garantam a extensão dos benefícios à população mais pobre – o trickle-down que virou moda em discussões nos EUA depois do Occupy Wall Street. Este caminho pode trazer prosperidade econômica nos próximos dez anos e reduzir desigualdades sociais, mas está longe de representar para o mundo um modelo de desenvolvimento sustentável no longo prazo.
Como cidadão brasileiro residindo nos EUA há vários anos, vejo com muito receio propostas para a solução da crise baseadas em estimular o governo e as famílias americanas a gastarem mais. Isso significa que mais famílias vão trocar seus sedans 2004 por caminhonetes de 2011, clientes da Apple passarão dos iPhones 4 para os iPhones 4S, e, mais do que nunca, vão usar copos, talheres e pratos descartáveis à vontade. Esta fórmula, que poderia chamar de “keynesianismo vulgar”, deixa de fora duas questões importantíssimas: o caráter hierárquico do sistema mundial e a sustentabilidade ambiental.
Em relação à primeira, há um sério problema em tomar como dado que a ampliação dos níveis médios de consumo nos países centrais (já elevados) seja condição para a manutenção do crescimento em países pobres, que realmente precisam elevar seus padrões de vida. É como se uma empregada doméstica precisasse torcer para um patrão bon-vivant ganhar ainda mais dinheiro para ela, eventualmente, receber um salário mais alto. Esta é uma contradição que não pode passar em branco. Não podemos continuar prescrevendo o crescimento do bolo e deixar a divisão das fatias para depois.
Uma das razões para isso ocorrer, conforme apontam estudos, é a existência de uma hierarquia tripartite no sistema capitalista mundial que tem se reproduzido pelo menos desde o século XIX. No topo está um grupo pequeno de países centrais, no meio uma “semi-periferia” de renda média e, na base, a periferia onde se encontra a maior parte da população mundial. A economia global cresce como um todo, mas as disparidades entre as regiões se mantêm relativamente inalteradas.
Na última década, o crescimento acelerado na China e na Índia tem desafiado essa situação, mas ainda não são claros seus impactos sobre países de renda média (como o Brasil) ou baixa (como os africanos). Portanto, uma solução superior à crise precisa incluir mecanismos de governança global capazes de tornar o padrão de crescimento mundial mais equitativo.
Parte da resposta pode estar na cooperação entre países do Sul ou na reinvenção de organizações internacionais, como o FMI, o Banco Mundial, e a ONU. Não podemos pensar apenas em crescimento, pois há um custo, em especial o ambiental, que não deve ser incorrido se os benefícios vão continuar a ser proporcionalmente concentrados nos países centrais.
Isso nos leva à questão ecológica. No Brasil, há o debate sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte. Nos Andes, a discussão entre o desenvolvimento baseado na exportação de recursos naturais e modos alternativos de vida defendidos por movimentos indígenas (o “buen vivir”). Por meio deste debate, precisamos deixar o paradigma do crescimento a qualquer custo e implementar regras que forcem a acumulação de capital a internalizar seus custos de reprodução (ambientais, no caso). A vida humana provavelmente não seria possível no planeta se o “American way of life” fosse estendido a todos os habitantes do mundo. Não há floresta que aguente.
Para resumir estes problemas com uma metáfora, imagine que a economia capitalista mundial é um carro muito potente, mas que se encontra momentaneamente “afogado”. O keynesianismo vulgar sugere um empurrão para que o automóvel volte a andar depressa. Em contraste, proponho que aproveitemos a situação do carro e nos indaguemos: “Esse veículo consome muita gasolina, não dá para ser mais econômico?” e “tem um monte de gente sentada apertada no banco de trás e só duas pessoas confortavelmente sentadas na frente; isso é justo?”.
Essas questões são de difícil solução, mas precisam estar no centro e não nas margens do debate. Com uma versão vulgar de keynesianismo, só estaremos empurrando com a barriga (para as próximas gerações) um problema que devemos resolver. E no processo de construir um mundo mais igualitário e mais verde, reinventaremos o capitalismo, que, ao final, talvez nem capitalismo seja mais.
Por: Felipe Amim Filomeno, na ‘Carta Capital’.
Em: 04 de Dezembro de 2011.
Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/para-alem-do-crescimento/>.
Acesso em 06 de Dezembro de 2011
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