Olá pessoal...
As análises da crise atual apresentadas pela
mídia, de uma maneira geral, são sempre de caráter estritamente econômico.
Porém, quando a analisamos não podemos ser tão restritivos. As questões de
ordem econômica refletem e são um reflexo das condições/questões sociais e
políticas. Uma visão da crise dissociada dessas demais questões envolvidas prejudica
a análise da conjuntura do sistema atual.
Na entrevista transcrita abaixo com o Geógrafo
David Harvey, notamos justamente o contrário. Suas palavras buscam expressar uma
análise completa e dialética da realidade, rompendo com a
‘pseudoconcreticidade’ (o que vimos à primeira vista é o fenômeno, o mundo das
representações comuns, da práxis fetichizada, que passa a impressão de que tudo
é natural e independente).
Harvey, ao refletir sobre as condições
espaciais da atualidade vai para além disso. Ele consegue destruir essa
aparente independência dos fenômenos. O seu pensamento dialético não nega a existência
ou objetividade dos fenômenos, mas destrói sua pretensa independência e
naturalidade, para mostrá-los como fenômenos derivados e mediatos, como
produtos da práxis social da humanidade.
Essa perspectiva de análise espacial é de
suma importância para a compreensão das condições espaciais hodiernas, ao passo
que se busca uma análise completa e concreta das questões econômicas/sociais/políticas.
A entrevista abaixo realizada por Maria
Luisa Mendonça e Fábio T. Pitta, por meio da revista/jornal eletrônico ‘Brasil
de Fato’, pode contribuir muito para as discussões a cerca desse tema, nessa
perspectiva.
ENTREVISTA COM DAVID HARVEY
O geógrafo britânico David Harvey
Foto: ‘Brasil de Fato’
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O geógrafo
britânico David Harvey é um dos principais intelectuais marxistas hoje e está
entre os vinte cientistas sociais mais citados em todo o mundo. Atualmente é
professor na City University of New York e esteve no Brasil recentemente para o
lançamento de seu livro O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo,
publicado pela Editora Boitempo. A análise de Harvey sobre a crise no modo de
produção capitalista tem sido sistemática nas últimas décadas, desde o livro
clássico The Limits to Capital (Os Limites do Capital) publicado
originalmente em 1982. O autor resgata o pensamento de Marx de forma complexa e
ao mesmo tempo didática, para mostrar criticamente as contradições inerentes ao
capitalismo, com a intenção de apontar possibilidades de superação deste modo
de produção.
Maria Luisa e Fábio Pitta: O senhor tem analisado o
processo de crise há bastante tempo, especialmente desde seu livro Os Limites
do Capital. Como caracteriza estes limites no contexto da atual crise? Seria
possível dizer que existe um processo simultâneo de crise e acumulação de
capital?
David Harvey: Inicialmente é preciso entender que o capital nunca
resolve seus problemas, apenas os transfere para outro lugar. Há hoje um
aumento na velocidade com que essa transferência é feita, pois o movimento do
capital é determinado de acordo com o jogo de poder político, que protege uma
pequena elite financeira. Nos Estados Unidos, a grande maioria da população
continuará a sofrer os efeitos da crise, que parece ter chegado a um patamar
político. Ou seja, eu vejo que a crise, tanto nos Estados Unidos quanto na
Europa, é mais política do que econômica. Por isso a crise se estende e
aumenta, de acordo com os interesses de uma pequena classe de capitalistas.
Vemos uma crescente concentração de riqueza no Brasil, na Índia, na China e, é
claro, nos Estados Unidos.
Maria Luisa e Fábio Pitta: Como o senhor avalia as
saídas tradicionais que têm sido utilizadas para lidar com a crise, sejam
neoliberais ou keynesianas? Quais os limites destas receitas? É possível
diferenciar estes dois campos ou o que vemos é transferência de mais-valia
social para o setor privado através do aparelho
estatal?
David Harvey: A expansão da economia nos Estados Unidos nas
últimas décadas se deve em grande parte ao crescimento do mercado imobiliário –
o que veio a causar a bolha financeira neste setor. Isso mostra que não é
possível sair da crise através das alternativas tradicionais. Ao mesmo tempo,
vemos que o mesmo processo de acumulação está acontecendo na China, onde se
desenvolvem grandes projetos imobiliários e de infraestrutura. De certa forma,
a China está implantando um projeto semelhante ao que ocorreu nos Estados
Unidos na década de 1950, com a expansão dos subúrbios urbanos e a construção
de rodovias, estimulada pela indústria automobilística. Podemos identificar
este tipo de saída keynesiana ocorrendo no capitalismo global onde há
crescimento, inclusive crescimento acelerado. Na América Latina, vimos revoltas
contra o velho estilo do neoliberalismo e hoje há uma tendência keynesiana na
economia. Já em países onde a receita neoliberal tem sido aplicada, como Europa
e Estados Unidos, a crise se agrava. Mas é claro que isso não significa que o
capitalismo global será salvo se todos se tornarem keynesianos. Os limites do
sistema keynesiano já estão aparecendo na China, onde há uma superprodução de
infraestrutura, uma bolha de ativos econômicos e aumento da inflação. Creio que
podemos observar o mesmo processo na Argentina e no Brasil, o que revela os
limites tradicionais do modelo keynesiano.
Maria Luisa e Fábio Pitta: No livro O
Enigma do Capital o senhor caracteriza a crise atual de forma distinta
das crises cíclicas, como na concepção de ciclos de Kondratieff, de queda
tendencial da taxa de lucro ou da idéia de que as crises são consequência da
queda do consumo ou do subconsumo. É possível dizer que a própria narrativa do
livro mostra este processo?
David Harvey: O pensamento marxista tradicional imagina que
exista uma única contradição através da qual as crises se desenvolvem no
capitalismo. Porém, se observamos particularmente o segundo volume de O Capital, vemos que o que existe é
um processo com vários momentos e, em cada um destes momentos, há a
possibilidade de um bloqueio, o que gera a possibilidade de crise. Por exemplo,
pode haver um bloqueio por falta de financiamento, como nos anos de 1970 quando
os economistas falavam em “depressão financeira”. Isso levou ao processo de
desregulamentação financeira, também caracterizado como “liberação de capital”.
Mas ninguém fala sobre isso hoje. Naquele período havia uma classe trabalhadora
mais organizada e o poder salarial era bem mais forte. Hoje isso não ocorre e,
portanto, é difícil justificar a crise jogando a culpa nos sindicatos, como
aconteceu anteriormente. No livro eu procuro mostrar que não é possível
entender a crise a partir de um único lugar, mas perceber que há uma série de
bloqueios, inclusive bloqueios em relação ao suprimento de energia ou recursos
naturais. Eu procuro juntar estes elementos e pergunto: onde este processo está
localizado hoje e para onde deverá ou poderá mover-se? Como o capital poderá
superar um determinado bloqueio? Ou seja, eu não concentro a análise da crise
em uma única explicação, como na diminuição do consumo ou na queda da taxa de
lucro. Minha análise parte de uma combinação de fatores, que pode incluir todos
estes elementos e por isso é preciso estudar concretamente. A teoria de Marx
sobre a crise fala sobre possibilidades de crises. Por isso devemos procurar
entender como essas possibilidades se transformam em realidade. Através de
quais processos sociais?
Maria Luisa e Fábio Pitta: Em nenhum momento do
livro identificamos o objetivo de procurar resolver a crise. É isso
mesmo?
David Harvey: Claro, o
capital não pode resolver sua crise.
Maria Luisa e Fábio Pitta: Como o senhor vê a luta
de classes hoje e os movimentos de protesto que falam em transformação através
da idéia de que somos “os 99%”?
Jovens
reunidos na ocupação Wall Street, em Nova York
Foto:
asterix611/CC
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David Harvey: Há dois tipos de possibilidades sendo debatidas.
Uma seria manter o capitalismo através de mecanismos de retenção e regulação, o
que poderia causar flutuações, mas não grandes fraturas. Seria uma forma de
reorquestrar o capitalismo para que não causasse tantos danos como hoje, para
promover mais igualdade, alguma distribuição de riqueza e sustentabilidade
ambiental, como muitos na esquerda defendem. Outras pessoas dizem que não há
saída no modo de produção capitalista e que é necessário buscar outras
alternativas, com mudanças estruturais políticas e econômicas. É claro que as
crises podem ocorrer em qualquer sistema, já que não é possível imaginar uma
sociedade onde tudo funcionaria perfeitamente. Mas em um sistema não-capitalista
as crises seriam de outro tipo. Acho que estamos nessa encruzilhada histórica,
onde não temos muita segurança do que seria possível. Então surge o debate
sobre reforma ou revolução. Eu acredito que há reformas que levam à revolução.
As economias se tornaram tão interdependentes que uma proposta de revolução
imediata poderia gerar catástrofes com muitas mortes. Então a questão seria
avaliar que tipo de reformas teria um caráter revolucionário e levaria a outro
sistema que abolisse a relação de classe, já que a essência do capitalismo é a
relação entre capital e trabalho. Portanto, um projeto anticapitalista teria de
erradicar a relação de classe. Há diversos movimentos pensando nessa direção
como, por exemplo, as cooperativas de trabalhadores que recuperaram fábricas,
mas alguns acabam reproduzindo um sistema de exploração capitalista, no qual os
trabalhadores são seus próprios patrões. Portanto, não é suficiente pensarmos
em termos de microeconomia, é necessário repensar a macroeconomia.
Maria Luisa e Fábio Pitta: Como o senhor vê o
processo que descreveu como “acumulação por espoliação” na atualidade? Devemos
analisá-lo como uma característica dos limites do capital ou como uma forma que
o capitalismo encontra para, digamos, se reciclar?
David Harvey: Na medida em que o capital apresenta maior dificuldade
para se sustentar, principalmente nos últimos 30 anos, aumenta a espoliação.
Vemos hoje um enorme processo de expropriação e destruição de ativos e bens em
várias partes do mundo, como no caso do mercado imobiliário, das poupanças e do
roubo de direitos sociais, como no caso da saúde pública. Isso representa um
enorme processo de acumulação por espoliação. Ao mesmo tempo, desde 2007, vemos
uma enorme grilagem de terras por agentes particulares, empresas e governos em
várias partes do mundo. A China, por exemplo, tem participado ativamente deste
processo. Mas também vemos resistência política contra a espoliação. Estes
movimentos de resistência podem se converter na base para uma transição
anticapitalista. Além dos operários, todos os trabalhadores que produzem e
reproduzem os centros urbanos e as organizações de luta pela terra podem se
converter em um movimento massivo de construção de uma sociedade
não-capitalista.
Maria Luisa e Fábio Pitta: Como o senhor analisa a
possibilidade de uma nova guerra nesse momento de crise, dado o poderio bélico
estadunidense armazenado?
David Harvey: Na verdade o que existe é uma guerra permanente em
toda a história do capitalismo. Hoje os Estados Unidos estão envolvidos em duas
guerras. Seria viável pensar em uma terceira frente de guerra? Eu não saberia
responder. A questão é analisar qual o papel econômico da guerra, não apenas o
aspecto geopolítico das guerras. Nos Estados Unidos há setores financeiros
poderosos mesclados com a indústria bélica, que defendem a necessidade de
desenvolver melhores tecnologias militares e com isso procuram justificar uma
nova guerra. Por outro lado, seria possível resolver o problema da dívida nos
Estados Unidos simplesmente cortando o orçamento militar, que representa o
dobro de todos os gastos militares em nível mundial. Existem propostas nesse
sentido, mas uma forma de evitar esses cortes seria iniciar outra guerra para
justificar os gastos militares e, por isso, existe a possibilidade de uma ação
contra o Irã. Ao invés de cortes nos gastos militares o que tem ocorrido são
cortes nos programas sociais. Se analisarmos a relação entre a corrida
armamentista e a dívida nos Estados Unidos, vemos que aumentou muito durante a
Guerra Fria e o governo de Reagan, e seguiu aumentando nos governos de Bush.
Por: Maria Luisa
Mendonça e Fábio T. Pitta, no ‘Brasil de Fato’.
Em: 13 de Março de
2012.
Disponível em: < http://www.brasildefato.com.br/node/9036
>.
Acesso em 20 de Abril,
2012.
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Boas
reflexões!
Abraços!
Olá,meu nome é Felipe,sou graduando em geografia e me interessei no seu blog.Eu a algum tem fiz o meu blog,no entanto postar assuntos com uma certa regularidade apresenta uma determina dificuldade,já que os postes eram quase todos sobre meus pontos de vista em determinadas situaçoes que ocorrem,No entanto deixei de postar e por isto gostaria que o senhor visse meu blog e me desse dicas de assuntos,leituras,e de sua opinião sobre o blog para que eu possa melhora-lo e voltar a criar: www.socialblognet.blogspt.com,adorei o blog do senhor e por isso peço a opiniao sobre o meu!
ResponderExcluirObrigadinhooooooooooooooo!
Olá amigo, fico muito feliz por você ter gostado do blog e por também voltar a ter um. Quanto a ajuda na sugestão de temas, penso que isso é difícil de fazer. Porém, acredito que se você der uma vasculhada no meu blog, nos seus marcadores, terá uma ideia dos assuntos mais discutidos aqui. Inclusive, permito que você republique as minhas postagens em seu blog, desde que coloque os créditos ao final com o endereço do blog. Também, é importante estar atento as discussões que acontecem na sociedade civil, estas devem estar sempre em pauta. Espero ter ajudado!!! Curta o blog no facebook (na coluna a direita)para receber as novas postagens do blog e também me ajudar a divulgá-lo!!! Um forte abraço.
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