Olá
pessoal...
Estamos em um ano marcado pelas greves, ou
melhor, marcado pela precarização do trabalho nas esferas públicas em que a
greve é o seu ápice. Mesmo com mais de 50 categorias paralisadas e outras que
estão se organizando para isso, o governo pouco demonstrou interesse em
negociar e buscar um consenso com os grevistas e suas reivindicações.
Este fato é uma das várias demonstrações da histórica
despreocupação com os setores sociais e uma excessiva complacência com o
mercado – sobretudo o externo. Anualmente, ao se aprovar o orçamento federal,
discutimos esse assunto e essa afirmação fica ainda mais evidente.
O Brasil, apesar de não crescer como deveria e
poderia, tem obtido resultados razoavelmente satisfatórios em meio uma crise
internacional que já está afetando economicamente até a gigante China. No
entanto, os investimentos sociais continuam ínfimos e não representam os
anseios da sociedade. Desde de sempre (em Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek,
era militar, FHC e Lula), o Brasil priorizou o pagamento da dívida externa e
interna. Existe um mito de que o Brasil não deve mais aos banqueiros – mentira!
Nos últimos anos apenas criamos condições de pagá-la, sendo que anteriormente
muito mal pagávamos os seus juros. Mas, essa situação não muda nada em termos
sociais, visto que continuamos a direcionar nossos investimentos aos grandes
centros financeiros e precarizamos ainda mais a saúde, educação e outras áreas sociais.
A contradição é então exposta: como o governo
não possui verbas suficientes para aplicar os 10% do PIB em educação e os 6 %
em saúde se temos condições de entregar 42% dele ao pagamento de banqueiros?
A entrevista abaixo publicada pelo jornal
“Brasil de Fato” é uma ótima dica para quem deseja analisar o assunto e criar
uma visão crítica sobre ele...
ORÇAMENTO FEDERAL
DE 2013: 42% VAI PARA A DÍVIDA PÚBLICA
Maria Lúcia Fattorelli |
Quase a metade do orçamento federal do
próximo ano, exatos 42%, está destinada ao pagamento da dívida pública
brasileira. Dos 2,14 trilhões de reais, 900 bilhões serão gastos com o
“pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos,
por exemplo, 71,7 bilhões para educação, 87,7 bilhões para a saúde, ou 5
bilhões para a reforma agrária”, informa Maria Lucia Fattorelli (foto),
coordenadora da Auditoria Cidadã, à IHU On-Line.
Em sua
avaliação, o orçamento da União está repetindo a mesma prática adotada há
décadas, ou seja, “concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e
amortizações da dívida pública – interna e externa”. Os valores destinados à
dívida, ressalta, “nunca deixam de ser gastos”. Entretanto, os “valores
designados para áreas sociais podem não ser totalmente executados (...) sob a
justificativa de garantir o cumprimento da chamada meta de superávit primário,
uma reserva orçamentária destinada exclusivamente ao pagamento da dívida
pública”.
Na
entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Maria Lucia enfatiza
que o pagamento da dívida “favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, à
custa das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado
lucros recordes”. E dispara: “A dívida pública se transformou em um mero
instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de obtenção de
recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida de todos os
brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes volumes de
recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas sociais e
provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral, enquanto
favorece o setor financeiro”.
Maria Lucia
Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria
Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida
Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos trabalhos da
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no Brasil. É autora
de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania (Contraponto Editora,
2003).
IHU
On-Line: Quais são as principais características da peça orçamentária da União
para o ano de 2013? Qual é o peso que a dívida pública assume no conjunto do
orçamento?
Maria Lucia Fattorelli: O Orçamento Federal de 2013
é de 2,14 trilhões de reais e, repetindo a mesma prática adotada há décadas,
concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e amortizações da dívida
pública – interna e externa. Essa dívida jamais foi auditada, a despeito do que
determina o artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988.
A peça orçamentária de 2013 reserva 900 bilhões de
reais (correspondente a 42% do Orçamento Geral da União) para o pagamento de
juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos, por exemplo,
71,7 bilhões para educação, 87,7 bilhões para a saúde, ou 5 bilhões para a
reforma agrária.
Enquanto os valores destinados à dívida nunca
deixam de ser gastos, os valores designados para áreas sociais podem não ser
totalmente executados, tendo em vista as desvinculações (Desvinculação de
Receita da União – DRU) e contingenciamentos que têm sido feitos reiteradamente
pelo poder Executivo sob a justificativa de garantir o cumprimento da chamada
meta de superávit primário, uma reserva orçamentária destinada exclusivamente
ao pagamento da dívida pública.
É importante mencionar que esse privilégio ao
pagamento da dívida favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, à custa
das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado lucros
recordes. Isso tem ocorrido mesmo com as anunciadas reduções da taxa básica de
juros (taxa Selic), pois, pelo atual sistema de lançamento de títulos da dívida
pública, apenas doze bancos podem adquiri-los junto ao Tesouro Nacional. Esses
bancos, chamados de dealers, somente compram títulos quando a taxa de juros
oferecida atinge o patamar que eles desejam. Com isso, apesar da queda da
Selic, na prática continuamos a pagar a maior taxa de juros do mundo, ou seja:
– enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a
redução da Taxa Selic para 7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública
federal está 11,3% ao ano (Tabela do Tesouro Nacional – Quadro 4.1);
– justamente quando a Selic passou a cair o Tesouro
Nacional passou a vender os títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à
Selic, o que demonstra o forte poder dos bancos sobre a administração da dívida
pública no Brasil;
– atualmente apenas uma parcela equivalente a
24,57% da dívida mobiliária de responsabilidade do Tesouro Nacional está
atrelada à Selic.
IHU
On-Line: Instrumento do mercado financeiro
Maria Lucia Fattorelli: A dívida pública se transformou
em um mero instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de
obtenção de recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida
de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes
volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas
sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral,
enquanto favorece o setor financeiro.
Além disso, existe um grave problema de
contabilidade e transparência em relação aos gastos com a dívida. Dos 900
bilhões de reais do orçamento/2013 reservados para o pagamento da dívida, o
governo divulga que 608 bilhões se referem ao chamado “refinanciamento” ou
“rolagem”, anunciados como se fossem referentes ao pagamento de amortizações
(ou seja, ao principal) da dívida por meio da emissão de novos títulos da
dívida.
Segundo analistas conservadores, o valor
classificado sob a rubrica “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida não deveria
ser considerado como gasto, pois representaria apenas o pagamento do principal
da dívida por meio da emissão de nova dívida (ou seja, uma mera troca de dívida
velha por dívida nova).
IHU
On-Line: Juros indevidos
Maria Lucia Fattorelli: Na realidade, as investigações
técnicas realizadas pela recente CPI da Dívida Pública, realizada na Câmara dos
Deputados 2009/2010, comprovaram que grande parte dos juros pagos tem sido
apropriada indevidamente como se fosse refinanciamento ou rolagem. Isso tem
acontecido devido ao fracionamento indevido do montante dos juros nominais em
duas partes: uma que corresponde à atualização monetária calculada de acordo
com o IGP-M e outra que excede essa atualização, considerada como juros reais.
Uma vez que, pela contabilidade oficial, a rubrica pagamento de juros contempla
apenas os juros reais, ou seja, os juros que excedem a atualização monetária
medida pelo IGP-M, essa parcela dos juros nominais que corresponde à
atualização monetária tem sido considerada como se fosse amortização ou
rolagem.
Esse fracionamento dos juros e a classificação de
grande parte deles como se fossem amortizações têm gerado uma grave distorção,
porque, de acordo com a Constituição, despesas correntes – como é o caso dos
juros nominais – não podem ser pagas mediante emissão de dívida. O texto
constitucional visou prevenir o crescimento desenfreado da dívida decorrente da
incidência de juros sobre juros. A partir do momento em que se contabiliza a
atualização monetária como amortização ou refinanciamento, percebe-se uma clara
burla a essa determinação constitucional. A dívida pública passa a crescer de
forma descontrolada, levando o governo a contingenciar o orçamento das áreas
sociais. Dessa forma, dentro daqueles 608 bilhões de reais está incluída grande
parte dos juros nominais da dívida pública. É por isso que temos destinado
quase a metade do orçamento anualmente para o pagamento de juros e amortizações
e a dívida não para de crescer. No primeiro semestre de 2012, a dívida interna
alcançou 2,74 trilhões de reais e a externa 416 bilhões de dólares.
IHU
On-Line:Qual é a proporção de gastos no orçamento de 2013
entre recursos para encargos da dívida e gastos com o programa Bolsa Família?
Maria Lucia Fattorelli: Como acima mencionado, para
2013 estão previstos 900 bilhões de reais para o pagamento da dívida, ou seja,
o que se gasta em menos de nove dias com a dívida. Dessa forma, em nove dias de
pagamento da dívida supera-se o montante previsto para o ano inteiro para o
programa Bolsa Família.
Enquanto o programa Bolsa Família atende cerca de
13,5 milhões de famílias, sabe-se que poucos bancos e instituições financeiras
nacionais e estrangeiras detêm a propriedade dos lucrativos títulos da dívida
brasileira – o “bolsa rico”. Note-se ainda que o valor de 22 bilhões de reais é
um teto previsto no orçamento que, a depender da política de superávit primário
do governo para o pagamento do serviço da dívida, pode ser drasticamente
contingenciado, como temos observado em quase todas as áreas sociais no início
de cada ano.
IHU
On-Line:Houve uma grande luta pela incorporação de 10% do
PIB para a educação. Como vê o orçamento destinado para essa área?
Maria Lucia Fattorelli: Recentemente, a Câmara dos
Deputados aprovou o aumento dos atuais 5% do PIB para 10% do PIB aplicados no
setor educação. Porém, o texto aprovado indica que esse patamar deve ser
alcançado somente no ano de 2023. Ressalte-se que esta proposta ainda precisa
ser aprovada pelo Senado.
Em 2013, estão programados 71,7 bilhões de reais
com gastos federais na área da educação, o que representa 12 vezes menos do que
o valor destinado à dívida. Tal valor representa apenas 1,44% do PIB de 2013,
ou seja, uma pequena parcela dos almejados 10% do PIB.
É importante mencionar que estados e municípios são
os maiores responsáveis pelos gastos na área da educação. Considerando que além
de suas receitas tributárias próprias tais entes federados dependem dos
repasses efetuados pela União (tal obrigação decorre da concentração da
arrecadação tributária na esfera federal), é necessário observar que o
orçamento federal para 2013 reserva somente 9,3% dos recursos para transferências
a estados e municípios. Ou seja, 27 estados e mais de 5.000 municípios
receberão em 2013, a título de transferências federais, quatro vezes menos do
que o valor destinado à dívida.
A continuar o atual modelo orçamentário, é bastante
difícil acreditar que chegaremos à aplicação de 10% do PIB na educação, sendo
necessário uma alteração na política do endividamento para que esta grande e
nobre bandeira dos movimentos sociais brasileiros seja efetivada.
IHU
On-Line:O governo argumenta que gastos maiores com o
salário mínimo são proibitivos em função da previdência. Qual será o peso no
orçamento do salário mínimo em 2013?
Maria Lucia Fattorelli: O valor do salário mínimo
fixado para 2013 (R$ 670,95) significa um aumento real de apenas 2,7% em
relação ao valor atual. Prosseguindo nesse ritmo, serão necessários cerca de 50
anos para se atingir o salário mínimo calculado pelo Dieese (de 2.383,28
reais), com base no disposto na Constituição Federal, art. 7º.
O eterno argumento oficial contra um aumento maior
do salário mínimo é que a Previdência Social não teria recursos suficientes
para pagar as aposentadorias do Regime Geral. Porém, tal argumento é falacioso
e não se sustenta em base aos dados da arrecadação federal. A Previdência é um
dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e
tem sido altamente superavitária. Em 2011, o superávit da Seguridade Social
superou 77 bilhões de reais; em 2010, 56 bilhões; e em 2009, 32 bilhões,
conforme dados oficiais segregados pela Associação Nacional dos Auditores
Fiscais da Receita – Anfip (www.anfip.org.br).
O reiterado superávit da Seguridade Social deveria
estar fomentando debates sobre a melhoria da previdência, da Assistência e da
Saúde dos brasileiros. Isso não ocorre devido à prioridade para o pagamento da
dívida mediante a Desvinculação das Receitas desses setores para o cumprimento
das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento
da dívida pública.
IHU
On-Line: Ataques à Previdência Social
Maria Lucia Fattorelli: A Previdência Social,
diga-se, tem sido continuamente atacada por aqueles a quem interessa uma
parcela cada vez maior do orçamento destinada ao pagamento da dívida. Não é por
acaso que, ao longo dos últimos anos, os ataques à Previdência Social têm se
multiplicado no mesmo ritmo em que se multiplicam os montantes destinados à
dívida. A contribuição previdenciária dos inativos, o fator previdenciário, a
criação de fundos de previdência complementar dos servidores públicos, o fim do
direito dos inativos do setor público à paridade salarial com os servidores da
ativa, são todas medidas que objetivam privatizar a Previdência Social,
diminuindo seu peso no Orçamento Público e permitindo aos rentistas abocanhar
uma parcela ainda maior desses recursos.
IHU
On-Line: Há alguma novidade no orçamento de 2013?
Maria Lucia Fattorelli: Na apresentação feita pela
ministra de Planejamento sobre o orçamento para 2013, o governo alega que a
dívida pública e as taxas de juros estariam em forte queda. Porém, tal dado se
refere à distorcida parcela denominada “Dívida líquida do setor público”. O
Brasil é o único país que calcula a dívida “líquida”, algo que não tem sentido
lógico e que distorce o verdadeiro estoque da dívida pública.
Para obter a chamada dívida líquida, o governo
desconta créditos que tem a receber (tais como as reservas internacionais), mas
não considera as demais obrigações a pagar, como o passivo externo, por
exemplo. Além disso, enquanto os títulos da dívida brasileira pagam as taxas de
juros mais elevadas do mundo – em 2011, cerca de 12% –, as reservas
internacionais (aplicadas em sua maioria em títulos da dívida norte-americana)
não rendem quase nada ao Tesouro Nacional. Aí está outra grande distorção:
subtrair parcelas que têm custos totalmente distintos. Por fim, a definição de
dívida líquida é esdrúxula, uma vez que os juros nominais efetivamente pagos
são calculados e pagos sobre a dívida bruta, e não sobre a líquida.
Adicionalmente, as amortizações têm sido feitas sobre a dívida bruta e não
sobre a dívida líquida. A utilização desse conceito tem servido apenas para
aliviar o peso da dívida pública brasileira, que já está perto de 80% do PIB.
IHU
On-Line: Analisando historicamente a peça orçamentária,
percebe diferenças significativas entre os governos militares, era FHC e agora
os governos Lula e Dilma?
Maria Lucia Fattorelli: Há mais semelhanças do que
diferenças, pois todos estes governos atenderam às recomendações do Fundo
Monetário Internacional – FMI e do sistema financeiro na elaboração do
orçamento, priorizando o pagamento da dívida em detrimento das áreas sociais.
Desde o golpe militar de 1964, as condições sociais dos brasileiros vêm
deteriorando, e medidas essenciais – tais como reforma agrária, implantação de
modelo tributário justo, prioridade dos gastos com educação e saúde, entre
outras – vão ficando cada vez mais longínquas.
A alteração mais relevante é de caráter apenas
aparente: se antes havia a preponderância da dívida externa, hoje a maior parte
dos gastos com a dívida se referem à denominada dívida interna, que, apesar do
nome, também possui como beneficiários bancos e investidores estrangeiros. A
dívida interna é uma nova face da dívida externa e continua retirando recursos
dos mais pobres (por meio dos tributos incidentes sobre o consumo e sobre os
salários) para privilegiar os rentistas e especuladores.
Por: IHU Onn-line, no ‘Brasil de Fato.
Em: 17 de Setembro de 2012.
Acesso em 19 de Setembro, 2012.
Não deixem de comentar...
Boas
reflexões!
Abraços!
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